Esticou demais e a corda foi rompida. Estalo forte, e aconteceu um rodopio em falso da cravelha. Do metal rompido, um tangido forte, agonia e morte de uma das cordas: o Sol.

Solidário, o braço ficou mudo. A boca do bojo já vive a saudade.

Uma capa rota de linóleo barato envolveu o corpo, já frio, da velha madeira. Mortalha.

Ninguém mais ouviu o som do velho pinho. Emudeceu o cantor e nossas muitas gargantas ali se calaram num preito de dor.

CLIQUE NO LINK ABAIXO E LEIA O TEXTO COMPLETO...
Sol que se foi, cordame já velho como a voz daquele bolinador das cordas nas noites amigas.

“La-la-ri-la-la-laaa... la-la-ri-la-la-la... Minha vida era um palco iluminado....”

Lá se foi o meu amigo, parceiro e seresteiro Silvio Caldas. “Aqui meu pranto... meu canto... meu momento de fé...” a ele, esta minha ode.

Busco, e ninguém mais tinha, um Sol para repor o cálido som do seu velho pinho. Quanta agonia!

E, na noite vazia perderam-se todos: “Sol, eu vi você corar e a lua a desmaiar de tamanha emoção. Sim, Sol, eu vi!”

Os olhos das virgens dos casarões da cidade nadavam nas águas turvas da saudade. Uma voz se calou por falta do Sol.

A mesa do bar recolhe os cacos do amor espalhados. O doce alambicado desliza quente pelas goelas boemias no frio da noite e... “um soluço cortou minha voz...”

Noite longa, e “estes meus cabelos brancos, hoje estão da cor dos bancos solitários do jardim...”. E o sonho ali se perdeu: “tu vivias vestido de doirado...” habitando sonhos e ilusões e, “tu pisavas nos astros distraída, sem saber que a ventura dessa vida...” é poder sonhar.

“Não queiras meu amor saber das mágoas, que sinto quando ao relembrar estou. Atestam os meus olhos rasos d´ água, na dor que a tua ausência me causou... Porém, neste abandono interminável...” a vastidão imensa das velhas canções invade o seresteiro e tropeça nos tortuosos becos e ruelas da mente apaixonada. Para nós, “foi um rio que passou em minha vida...” rio de saudade, “saudade, torrente de paixão, emoção diferente, que aniquila a vida da gente, numa dor que não sei de onde vem...” Também meu coração ficou vazio, “peito dorido, saudade que se aninha no meu peito ferido...” E lá se foi o Sol, “festa de luz... festa de sol...” que envolto em fria mortalha das muitas garoas que meu tempo cobriu e o nosso caboclo querido, de vez, como o Sol, se foi. Tudo à volta emudeceu.

Poucos se lembram. Nunca me esqueci. Fiz duo com ele, Silvio Caldas, numa noite perdida lá em Gov. Valadares, acompanhado pelo sax do Ralf Zaidan, dos violões do Oswaldo e do Neguinho Capixaba, da flauta do velho amigo, que também se foi, Carlos Poiares . Duetos em “Chão de Estrelas”, “Velho Realejo”, “Rancho Fundo” e outras canções. Fizemo-nos ouvir pelo séqüito formado por dezenas de boêmios e fomos ouvidos ainda pelos vultos e sombras que se escondiam atrás das janelas. Corações apaixonados, moradoras das ruas escuras e donas dos pensamentos vadios daquela terra mineira.

E lá se foi o Silvio Caldas, aquele fazedor de muitas lágrimas nas nossas muitas noites de serestas boêmias.

Como registro histórico, documento: ele participou, na década de 60, de vários programas por mim produzidos nos antigos Canal 3 (TV Tupi) e Canal 9 (TV Excelsior), em São Paulo.

Morre a 3 de Fevereiro de 1998, em Atibaia-SP, Sílvio Caldas – o eterno seresteiro e cancioneiro do Brasil.

Como exemplo profissional, nosso Silvio se foi, mas deixou muita saudade.

(Do livro “Memórias de Um Tempo II”, de Jorge Lemos, dedicado a Sílvio Caldas)