terça-feira, 15 de junho de 2010

Aos Que Têm Amor

©2007 Jorge Lemos


Aos Que Têm Olhos, Vejam.
Aos Que Têm Ouvidos, Ouçam!


Ao participarmos das cerimônias religiosas alusivas ao passamento de nosso filho Alfredo Augusto, na Igreja matriz de Santana, em Vinhedo, algo ocorreu que não esquecerei enquanto vivo for:

Sua Eminência Reverendíssima Dom Joércio Gonçalves Pereira, ex-Bispo de Jari, foi quem celebrou o ato de fé a pedido do Pe. Clodoaldo Rogério Verdin. Suas preces de ternura expressaram exatamente o conforto que todos nós, presentes, aguardávamos.

Mas quem é este Bispo? Dom Joércio é aquele mesmo que há cerca de um mês foi alvo de um artigo meu sobre o seu papel em defesa dos habitantes ribeirinhos do Amazonas, totalmente abandonados pelas autoridades governativas do Brasil. Repetiu ele, na homilia da missa, contundente e bendita posição em defesa dos humildes.

Despertou-nos ele, uma vez mais, para a busca da razão! Aquilo que tanto critico em minha coluna sempre - expressou a verdade. O clérigo discorreu sobre a corrupção que campeia em todos os escalões administrativos e sobre a falta de vergonha e sentimento para com os seres, tão duramente castigados, como os barranqueiros do Amazonas. Afirmou ele, quase entre lágrimas, a falta de tudo em todos os pontos daquele vasto território verde. Que lástima para este Brasil repleto de pulhas na política e na administração pública.

Onde estamos hoje? Enfeitamos as ruas com cores para uma guerra na disputa esportiva, mas somos incapazes de erradicar estes cancros no poder, que solapam a dignidade de nosso povo. Somos incapazes de enfeitar nossos corações com a grandeza do amor e da solidariedade para salvar sagrados irmãos que vivem, à margem da vida, em plena selva amazônica.

Faço questão absoluta de reafirmar as palavras de Dom Joércio e acrescentar a elas o rol de doenças, que já estavam praticamente erradicadas e hoje grassam com intensidade brutal e assassina (pela incompetência e desonestidade dos governantes): Hanseníase (Lepra), Febre Amarela, Tuberculose, AIDS, Sífilis, Doenças Venéreas (ainda HOJE espalhadas entre os silvícolas), Tifo, Paratifo, Hepatites A, B, C, Impaludismo e a Paralisia Infantil. Lá não há escolas, hospitais ou remédios.

Dêem um giro pela Ilha de Marajó. Vejam a miséria e abandono daquele povo. Dom Joércio fala que as vilas e aldeias, quando a população infantil tem 10 aulas num ano, se dão por felizes. Aliás, lá se encontra, como em todo o nordeste, o mais alto nível de analfabetos do mundo. (Idêntico ou superior à África). Contestem-me! Digam-me que estou mentindo, que o exposto acima é exagero!

Quando me lembro da chamada Operação Rondon, onde estudantes da área da saúde peregrinavam pelas encostas do Amazonas e afluentes, vejo o quanto o Brasil perdeu. Olha que quem estava no poder eram os militares...

Como o irmão Jabur, que fique eu marcado por esta praga vermelha que se assenhoreou do Brasil. Lamento a perda dos meus 65 anos de luta contra algo que considerava ruim e, hoje, nos colocamos para o que de pior se soma na vida política e administrativa do Brasil. Que Deus me perdoe por ter ajudado a colocar no poder este bando que só pensa no domínio e no poder, se locupletando com o sacrificado suor do nosso trabalho, através do mais elevado imposto do mundo.

Meu filho querido Alfredo Augusto partiu. Ele entrou em séria depressão, de tanta vergonha de ter ajudado a formar e a levar esta corja maldita ao poder. Um Pedro Pomar, um João Amazonas, Mauricio Grabois, os irmãos Abramo e tantos outros deram a vida pela liberdade. Enquanto isto a maioria do povo carnavaliza e transforma em guerra um simples campeonato de futebol, pois perdeu a coragem, o patriotismo e a vergonha, castrados que foram por uma tal “bolsa família”.


Agradecimento


Poderia eu, de coração, agradecer pessoalmente, em nome dos meus, a cada um dos amigos pela manifestação de ternura e solidariedade a nós dirigida neste momento de sentida perda de um filho querido. Não o faço pessoalmente por profundo respeito a todos, pois poderiam ocorrer lapsos ou palavras diferenciadas para o reconhecimento a tantos e a todos que nos confortaram pessoalmente ou através de vários telefonemas e-mails.

Nosso sentimento maior de agradecimento (Estephania, eu e os filhos) está impresso em nossos corações. Cada gesto de ternura a nós manifestado nos lega a obrigação de reconhecer: que fortuna maior do que ter amigos? Obrigado a todos!

Quero carinhosamente expressar também o nosso sentimento de amor, traduzido pelos carinhosos gestos da pequenina Paola, do pequeno grande amigo Lucas e do Leonardo.

A ternura dos seus pequenos braços apertando-me foi a tradução de todo o calor humano que recebemos. Vocês não imaginam o que a pureza de um gesto pode fazer para nos carrear em direção a um só mandamento que salva: o amor! Falar Mais? Que importam as palavras? O silêncio, às vezes, fala mais alto que mil palavras. Deus abençoe àqueles que verdadeiramente nos amam.

Jorge Lemos

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domingo, 6 de junho de 2010

Em Busca de Mais Luz

©2007 Jorge Lemos

Em Busca de Mais Luz



Não foram perdas as horas de sono a embalar o pequeno corpo, estreitando no colo e nos braços o sentido do amor necessário.

O amor exige até sacrifícios mais extremos. Nada de material aplicado à vida foi perda. A alimentação fundamental e básica foi necessária para fazer da criança o homem forte e saudável. Nenhum lamento ocorre pelo buscar dos melhores educandários para oferecer a base de conhecimentos tão necessários para a construção de uma vida.

Não houve perda de bens para a construção de uma vida realizada. Nada destas coisas acima, que tantos e tantos lamentam como perdas, podem se apossar de um que se digne representar a missão responsável de proteger uma vida.

Falo não só da paternidade consciente - aquela gerada com amor entre dois seres, na esperança de trazer ao mundo um ser que faça crescer a seara dos justos. Dizia Kalil Gibran: “Somos o arco, nossos filhos a flecha”. O sentido da direção e do rumo é o que faz materializar o alvo. Este o verdadeiro objetivo da criação da vida.

Mas o que é a vida, senão a construção de plano que leva o espírito a um processo evolutivo? Creio, e estou convicto, na eternidade da vida após a transposição deste simples plano material terreno.

Foi-se Alfredo, meu filho, ALFREDO AUGUSTO LEMOS NETO.

Quem o conheceu sabe: Não carregou ele em vida o orgulho. Buscava, como eu, um mundo de iguais, sem a pompa daqueles que se orgulham por conhecerem um pouco mais. Como professor, se fartou de distribuir o que aprendera. Todos os alunos, muitos aí, em nossa cidade, fizeram do Alfredo aquele que estendia a mão fraterna e as palavras de incentivo.

Morreu o Alfredão, meu filho, o espírito visto homem para procurar e salvar o que estava perdido. Partiu o “Big Alf”, como foi conhecido por revolucionar o Rádio como instrumento de elevação da cultura lá em Portugal. Foi amado, mas nunca ultrapassou os limites do permitido pelo prestígio inteligente que obtivera.

Insatisfeito, como eu, queria mais. A mãe, amiga, o incentivava. Aprofundou-se nas buscas para a obtenção de respostas. Foi buscar na velha história as referências daqueles que motivaram a evolução humana e convenceu-se, jovem, de que “O homem só possui em plena propriedade aquilo que lhe é dado levar deste mundo”.

Satisfez-se, ufanou-se, confessou-me inúmeras várias vezes ensinando-me o que aprendera com Kardec: “A origem do mal reside no egoísmo e no orgulho”. Fez-se homem por inteiro - corpo e espírito. Abraçou, em seus dois últimos anos de vida, a religião Judaica pelo amor à raiz da História, sem perder o respeito a nenhum outro seguimento religioso.

Alfredo Augusto Lemos Neto faleceu às 20 horas do dia 2 de Junho, na cidade de Niteroi, Rio de Janeiro, dia da Ascensão do Senhor. Deixa Carla, a esposa, e o filho, Thalles, com 16 anos.

Agradecemos, de coração, todas as manifestações de carinho e apreço a nós oferecidas pela grande legião de amigos, companheiros de Lions, colegas Acadêmicos, e ex-alunos do nosso querido filho.

Sabemos que a luz do Grande Criador está guiando Alfredo Augusto para o plano que lhe é devido. Não há morte, apenas transposição de planos.

Um dia nos reuniremos todos.


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quinta-feira, 3 de junho de 2010

Urucum e Brejauba

©2007 Jorge Lemos

Urubu Rei



URUCUM E BREJAUBA

Foi João quem descobriu e não teve ele nenhum receio de espalhar para o mundo o que viu.

Puxou um caderno de notas e rabiscou sinais. Umberto, o Eco, diria que “rabiscos são signos que merecem muita atenção - isso porque podem conter muitos outros significados sob uma visão semiótica”.

Quando falo do João, as pessoas dirão: “Qual João?” - Aquele lá dos confins das Minas Gerais, onde nasceu e cresceu moleque para depois, já famoso, passar a ser conhecido por Guimarães Rosa - João, invejado por acrescentar palavras diferentes e mostrar imagens nunca percebidas por viajores ou peregrinos.

Lá, na terra em que João se fez homem, só se chegava em lombo de burro forte e matula de comer farto, acompanhado de água de pureza definida. Quem ouviu falar em Cordisburgo? Seria por acaso um entre tantos burgos alemães ou suíços? Não! João nasceu plantado em terra de seca viva, preso que nem raiz de umbuzeiro em solo árido. Saltitou o Mestre entre as Brejaubas de espinho roxo, agulha de coqueiro que entra profundo e dolorido no corpo do vivente, e pintou seu corpo de sangue extraído do Urucum vermelho dos descampados do sertão sedento. João, meu Mestre!

Fui premiado pelas mãos do amigo Marcio Martelli. Doou-me esse escritor, poeta e editor, a verdadeira pintura de Sônia Cintra intitulada “Travessia” (Traversée) - cento e nove páginas de uma viagem repleta de surpresas e cores. Digna obra literária que transcende em importância por reproduzir, em síntese e de forma poética, o magistral trabalho de João Guimarães Rosa, o mais vivo de todos os escritores brasileiros.

Diz-nos Sônia Cintra:

Grande

Há
No Sertão
Veredas
Diadorins
Surpresas
Tantas
Que a vida
Encanta


Que paixão nos leva a instantes divinos para buscar almas puras? Amor às letras, às idéias e à paixão doentia pela terra-vida. Sônia nos traz um retrato diferente do João amigo. Assim como o pio aflito do mutum medroso, que se escondeu da jaguatirica faminta das terras virgens.

Perdi-me em minha juventude. Não havia eu dado, a importância que merecia, àquele almoço na Casa Grande da fazenda do Assis (Chateaubriand), à beira do “velho Chico”, quando aquele paraibano, imperador da comunicação, oferecia ao amigo João momentos de lembranças e de saudade. A simplicidade dos dois, sem a sofisticação dos termos preparados nas narrativas que traziam, carregava o cheiro forte da terra virgem que ambos portavam.

Que mistérios carregam os personagens do João? Seriam os meus os mesmos personagens? Assim como a visão da Sônia? Que longa travessia se me ponho? Não ouso mergulhar leitura em outras línguas: é que João me ensinou que a linguagem da terra se faz da vida em simplicidade, assim como o grasnido da Seriema em campo aberto, ladrando como cão faminto, em meio ao cerrado. E o azulão, o “papa capim”, o tiziu serrador, de movimentos sincronizados com o tempo de amor.

Percorro o mundo das palavras que ainda não foram criadas e das imagens que não foram concebidas e me solidarizo, de forma igual, com todos aqueles que reconhecem o que de mais puro guardava o sertanejo João: a imagem do dia que nascia e a chegada da Lua grande quando o Sol se punha.

Falo em minha “Ave que Vela”: A pachorrenta da suçuarana por sobre a pedra espreitava o mundo à volta e se deliciava com o leve bailar das folhas das umbaúbas que ressaltavam o brilho prateado da Lua distante.


(Dedicado o João Guimarães Rosa, mestre amigo)


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