terça-feira, 25 de setembro de 2012
©2007 Jorge Lemos
Giro Pelo Passado
Lembro-me.
Nesta época eu trabalhava para o jornal de Samuel Wainer, “Ultima Hora”, lá no meio da década de 50.
Predominava, cá entre nós, a exemplo do que ocorria nos Estados Unidos, o discrepante comportamento do preconceito racial, especialmente contra os negros.
A lei Afonso Arinos estava em vigor, mas poucos davam importância a ela.
Restaurantes e até cinemas considerados de luxo não permitiam a entrada de pessoas de cor.
Procurávamos difundir ao máximo a eliminação deste deformado comportamento, mas, lamentavelmente, havia o ranço entre os socialmente de maior poder aquisitivo, os classificados da classe A.
Entretanto algo aconteceu que provocou grandes comentários e a mudança radical no comportamento dos preconceituosos e dos proprietários de estabelecimentos de luxo.
Eis um fato do qual participei e testemunhei e que gerou destaque e providências sérias, quer policial quer da Justiça:
Ali, na Av. Brigadeiro Luís Antonio, São Paulo, havia um célebre e bem frequentado restaurante onde artistas famosos e intelectuais, por vezes, ali se aninhavam.
Certa artista de cinema e teatro, negra, em plena evidência e destaque na época, acompanhada por amigos, adentra ao estabelecimento. O “Maitre” vai ao encontro do grupo e, alegando não existirem mesas vagas (aquelas vazias estavam “reservadas”) colocou obstáculo em receber os fregueses.
Um ligeiro “bate boca” ocorreu.
Nós, um grupo de jornalistas, ouvindo as alegações preconceituosas do encarregado do estabelecimento convidamos a artista e os amigos para conosco se sentarem.
Ocorreu um pequeno reboliço entre os funcionários do estabelecimento e o nosso grupo. A coisa tomou um vulto de certa gravidade e ocorreu um empurra-empurra e alguns “catiripapos”.
Moral da história: todos nós, os envolvidos, fomos parar lá 1ª Delegacia de Policia, aquela que ficava ali junto à Praça da Sé.
Ouvidos, madrugada adentro, fomos liberados e uma ação foi movida contra o estabelecimento o que gerou, a partir daquele momento, uma alteração comportamental na capital paulista.
Eles aprenderam a respeitar a Lei.
Mergulhar no passado nos faz chegar ao presente. O preconceito persiste? Afirmo que sim, mesmo ocorrendo avanços tecnológicos e científicos, fatores importantes para a evolução humana.
O difícil é entender o comportamento de alguns que se acham “superiores”.
Estariam os meios de comunicação alterando, para pior, todo o relacionamento humano? A banalização da violência não seria um fator a mais para que o cidadão se acostume com o pior e desrespeite totalmente as justas Leis duramente conquistadas??
Que instrumento fabuloso seria a Internet se fosse utilizada a serviço da evolução humana!
Recebo de um especial amigo o que segue:
Narrada como real, esta história foi vivida numa viagem internacional da empresa aérea brasileira, a TAM.
“Uma mulher branca, de aproximadamente 50 anos, chegou ao seu lugar na classe econômica de certo voo e viu que sua poltrona estava ao lado de um passageiro negro. Visivelmente perturbada, chamou a Comissária de Bordo. Atenciosa a funcionário a atende.
- Qual o problema, senhora?'
A passageira, agitada, interpela: - Não está vendo? Vocês me colocaram ao lado de um negro. Não posso ficar aqui. Você precisa me dar outra cadeira.
Calma, a Aeromoça, acostumada talvez com estes tipos de incidente, diz-lhe:
- Infelizmente todos os lugares estão ocupados. Por favor, acalme-se - disse a Aeromoça, porém vou ver se ainda temos alguma solução para atendê-la!
A Comissária se afasta e volta alguns minutos depois e fala com a passageira:
- Senhora, como eu disse não há nenhum outro lugar na classe econômica. Falei com o comandante e ele confirmou. Temos só um lugar livre lá na primeira classe.
E antes que a mulher fizesse algum comentário, a Comissária continua:
- Veja, é incomum que a nossa companhia permita a um passageiro da classe econômica se assentar na primeira classe. Porém, tendo em vista as circunstâncias, o Comandante pensa que seria constrangedor obrigar um passageiro a viajar ao lado de uma pessoa que não lhe é agradável!
E, dirigindo-se ao senhor negro, a comissária prosseguiu:
- Portanto, senhor, caso queira, por favor, pegue a sua bagagem de mão, pois reservamos para o senhor um lugar na primeira classe.
Os passageiros próximos, que, estupefatos, assistiam à cena, começaram a aplaudir. Alguns deles de pé”.
Depois deste incidente como deveria estar se sentindo a preconceituosa passageira?
É hora de pensarmos com clareza:
“Qui dat nivem sicut lanam” (Que dá neve semelhante a lã).
sexta-feira, 14 de setembro de 2012
Giro Oportuno pelo Passado (1)
©2007 Jorge Lemos
Cornélio Pires
Acreditem: sou, singularmente, um saudosista.
Tenho falado muito sobre política atual, mas irei me dar uma pausa. Vou me presentear com um bom descanso. Amenidades e lembranças farão parte dos meus próximos momentos aqui no Sombras e Fragmentos.
Vamos, então, para um passeio pelas coisas do passado.
Um bom amigo, o Germano, vem a mim com um livro em suas mãos. Livro, carinhosamente tratado por longos anos, talvez um raro exemplar de uma publicação que fala das “paulistinices interioranas”. O título do mesmo é um velho encontro das minhas andanças com o inesquecível escritor Cornélio Pires, “Conversas ao Pé do Fogo”, preciosidade literária que nos leva a lembranças do Cornélio nos seus antigos programas de radio, quando suas histórias prendiam ouvintes.
Os “causos” iam desfilando e o centro das narrativas girava em torno dos “picadores de fumo goiano”, nossos caipiras.
Cornélio foi um estudioso profundo dos costumes e do folclore. Conhecia, como poucos, a riqueza dos costumes caipiras e a riqueza do linguajar caboclo do país de antanho. Escreveu ele dezenas de livros. Este que se encontra hoje em meu poder vem datado do ano de 1921, original trabalho que recebeu o titulo de “Conversas ao Pé do Fogo”, editado pela Imprensa Oficial do Estado – IMESP. Quem vai ficar também feliz com o papo a ser mantido é o amigo Caio Lucchesi.
Cornélio foi, em sua época, um recordista de venda de livros.
Quando indagado sobre o seu sucesso ele respondia sempre: “Fácil, muito fácil de explicar: é que não escrevo para os letrados,... escrevo para o povo!”. E, com este procedimento de escrever para pessoas simples, os fez buscar novos e talentosos autores.
Cornélio nasceu na cidade de Tietê, (“Tietêr”, como dizia ele, sorrindo), e pode ser considerado o pai e incentivador da denominada ”Cultura Caipira”, a mesma que inspirou Monteiro Lobato a escrever o “Jeca Tatu”.
Fui, e sou, um ardoroso fã do velho mestre Cornélio. Suas músicas, seus textos, suas crônicas, seu causos e a dissertação dos costumes caipiras, as narrativas sobre a escravidão, o anedotário e seus estudos, deram-me, também, uma grande contribuição para minha formação literária. Seus exemplos de vida, de uma humildade consciente e sorriso permanente, foram fontes que nos embebedaram de ensinamentos em nossa juventude.
Conheci Cornélio quando o entrevistei, lá pelos anos de 49-50, para uma publicação espírita, culto que ele abraçou e viveu inteiramente. Não posso deixar de reconhecer que muito dos seus ensinamentos de mim se apossaram e, inclusive, levam-me, na minha lida literária, a buscar nos vários regionalismos deste país imenso. Fatos que ilustram sempre o meu trabalho.
Como Cornélio Pires, eu também sou um “ciscador” de palavras, como digo em meu livro de poemas “Ganga Viva e Pedra do Diabo”.
Tomo a liberdade de usar, neste meu espaço, com humildade, uma elevada homenagem ao espírito deste irmão caboclo autêntico, reproduzindo parte de um texto seu.
Sintam comigo a pureza e a leveza da sua imensa criatividade:
“Vagava triste, o caipirote, perdendo dia a dia, amor ao trabalho. Em casa, sorumbático e quietarrão, sentava-se à beira do catre, abria o baú, tirava um lencinho que lhe dera a “inamorada” e ficava assim, horas esquecido. Outras vezes, pegava da viola, no silêncio do quarto, achegava-a ao coração encostando-lhe o ouvido, olhos fixos no chão, ponteando as cordas e cantarolando baixinho, amargurado, versos cheios de dor.
Aquela garça mimosa, rainha do ribeirão, lá se foi pro mundo a fora levando meu coração.
Suspiro, gemo, soluço; A sódade me atropela... Ai! Agora só me resta é namorar a casa dela.”
Assim era o Cornélio, aquele que mudou de planos em 17 de Fevereiro de 1958 quando foi chamado para compor a legião de escritores lá em cima. Lamentei, por me encontrar fora, de não ter ido ao seu sepultamento e jogar sobre seu leito um punhado da terra paulista que ele tanto amou. Mas guardo em meu peito a saudade deste mais que admirado Cornélio Pires - homem que eternizou o caipira brasileiro. Aqui, nosso respeito.
Jorge Lemos
Marcadores: Crônicas