sábado, 24 de julho de 2010
Vento Que Leva
©2007 Jorge Lemos
Vento Que Leva
(Extraído e adaptado por Walmir Lima da matéria publicada hoje no Jornal Folha de Vinhedo)
O mais aguardado evento literário, a Bienal do Livro de São Paulo, terá início no próximo dia 12 de Agosto e contará com representantes de Vinhedo e Louveira. Entre eles está o veterano Jorge Lemos.
Conheça a seguir um pouco mais sobre esse autor, colunista semanal da Folha de Vinhedo, acompanhe o melhor de um agradável bate-papo com ele, em entrevista concedida àquele jornal neste Sábado, e veja, no final desta postagem, um convite todo especial a você, amante do melhor da arte literária.
“Antes de tudo escrevo por satisfação pessoal”
Com vasta experiência no universo das letras, jornalista, escritor, historiador, fundador e presidente do Conselho da Academia Metropolitana de Letras, Artes e Ciências, Jorge Lemos chega à sua quadragésima terceira publicação. Também caminhou por peças teatrais, obras poéticas, crônicas, narrativas do cotidiano, entre outras artes.
“Fixar-se numa só vertente da literatura limita e condiciona o autor. Quanto mais amplo o seu universo, maior satisfação interior. Antes de tudo escrevo por satisfação pessoal”, afirma.
Lemos aguarda, com grande expectativa, o lançamento do novo livro “O Vento Que Leva – Venturas e Desventuras do Tonhão da Fonseca”, que, por 50 anos, foi formulado na mente e esperou até ser colocado no papel. Ele não deixou de salientar: “Os direitos autorais deste trabalho vão para as obras sociais do Lions Clube de Vinhedo. Minha profissão de escritor se coloca a serviço da sociedade. Esta é minha grande satisfação. Já passei da idade da vaidade!”
Também na Bienal será lançada uma Antologia de Contistas Brasileiros e o seu trabalho “Urutu Cruzeiro” é o carro-chefe da obra.
Entrevista:
Folha de Vinhedo (FV):
Qual é o tema de “O Vento Que Leva – Venturas e Desventuras do Tonhão da Fonseca”?
Jorge Lemos (JL):
É uma saga, dividida em três volumes (este, o primeiro) e quatro partes com “Prólogo e Floreios”, que fala de um anti-herói que está presente em diversos momentos da vida nacional (fatos históricos a partir da Guerra do Paraguai) e faz as coisas acontecerem sem que ele tenha consciência real da sua presença. O personagem é rude, mas sensível. Analfabeto, mas de uma inteligência aguçada, vivendo momentos que vão desde situações dramáticas a relacionamentos amorosos do nosso personagem e farto de receitas culinárias e humor. Ficção e realidade associados, mas de profunda reflexão sobre o espírito e o comportamento social do povo brasileiro. Presença literária antropomórfica.
FV:
O senhor dedica este livro pra alguém em especial?
JL:
Sim! Orgulhosamente o faço em memória do meu filho, professor emérito de História, Alfredo Augusto, falecido recentemente. Nos meus 50 anos de trabalho no “Tonhão” ele, meu filho, foi de grade “sustança” cultural (como diria Tonhão). Alimentou-me bastante com suas criteriosas críticas.
FV:
Qual foi a inspiração para esta obra?
JL:
Inspirado totalmente numa valorosa raça: A negra!. Ela, esta raça, foi a que ofereceu o verdadeiro perfil e hegemonia ao nosso país. Não reconhecer isto é uma burrada. Mas fui buscar entre muitos autores alguns exemplos, como em Gabriel Garcia Márquez, Octávio Paz e José Fernandez, jornalista argentino do século retrasado, autor de monumental obra em versos, “Martin Ferro”, cujas pinceladas, através de “un cierto negro de estancia, me hizo conocer mi ignorância como principio del saber”, foi quem me alimentou o desejo de enaltecer um explorado, mas valoroso, povo.
FV:
Mas havia um motivo especial para isto?
JL:
Sim. E plenamente justificada. Falo de reconhecimento e agradecimento! Fui amamentado por “Mãe Tiana”, uma negra que me acolheu em seus seios quando da impossibilidade de minha mãe amamentar-me. Orgulho-me! Tive um irmão de leite que, em várias de minhas narrativas (contos e crônicas), reconheço como indivíduo de extraordinário valor moral e ético, guardador de uma larga gama de qualidades, inteligência e força. Ele, José Machado Barbosa, falecido, um verdadeiro irmão que idolatrei e cultuo a sua memória daí.
FV:
Recomenda o seu livro para que tipo ou perfil de leitor?
JL:
Um autor não escreve só para uma determinada faixa ou perfil de leitor. Isto só ocorre para o preenchimento didático, não entretenimento - como no meu caso. Digo que escrever (como ler) é a mais solitária das aventuras. Repito o grande escritor paulista Menotti Del Picchia que me disse um dia: “Basta apenas um leitor para que eu me sinta realizado”. Espero que você me leia.
FV:
Qual a expectativa para o lançamento do livro na Bienal? Qual a importância deste evento?
JL:
Já participei de muitas mostras e outras Bienais. Alguns dos meus livros, como “O Camelo”, “Mulheres de Todos os Tempos” (poesias), “Versos Transparentes”, “Memórias de Um Tempo”, “Meu Amargo Rio Doce”, já peregrinaram nestes Salões. Meus livros são, como diz o amigo e colega escritor Ignácio de Loyola Brandão, “vendidas no ataque”, na busca direta ao leitor em palestras e conferências. A Bienal só nos mostra para a mídia - é um contato especial com as variadas camadas sociais e culturais. Coloco a Bienal como uma questão de marketing pessoal, mas tenho feito bons amigos nestes encontros.
O livro "Vento Que Leva..." será lançado no stand da Editora In House, no Sábado, dia 14 de Agosto, às 15 horas, durante a Bienal do Livro, a ser realizada no Pavilhão de Exposições do Anhembi, em São Paulo.
Fica feito aqui o convite a todos os amigos para que prestigiem este importante evento cultural de nosso país.
Walmir Lima
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sábado, 17 de julho de 2010
Mineirices Poéticas
©2007 Jorge Lemos
Mineirices Poéticas
Sei não!
O pó de ferro manganês é que nem sarna: gruda na pele de tal forma que deixa o branco virar pardo! Nova raça? Processo da natureza, talvez, para gerar e produzir gênios como Carlos Drummond de Andrade.
Sei não!
Só sei o que se passa à volta deste sagrado monstro, que se cansa com este gesto repetitivo do abrir e fechar das portas da sua farmácia, lá em Itabira do Mato Dentro, todas as manhãs, depois ficar de papo com o gari que passa com sua vassoura feita de guaxuma e que sempre vem lhe contar os sonhos, na tentativa de elucidar e forçar. ou traduzir. o que o emaranhado da mente criou dormindo.
E o papo se arrasta. Carlos dá trelas ao “ti-ti-ti” do homem simples. Extrai, como um hemíptero, o oculto da mente simples e transforma, nas horas seguintes, em rico poema de originalidade e pureza. Carlos se cansa das buretas, dos pós das químicas, das balanças, das injeções e dos xaropes vendidos fiado.
Cansou-se de tudo, menos da poesia que já hibernava desde cedo em seu peito. Carlos era assim; “não faço o que não gosto e não me contento com as respostas pobres” e lavrava sua sentença ao mergulhar nas letras poéticas que só ele sabia construir. Mineirinho danado.
Larga Itabira do Mato Dentro e vai se somar aos muitos bons articulistas do “Diário de Minas”. Fica lá até 1934, depois ruma para vôos mais altos lá na Capital da República. Vai ser chefe de Gabinete de Gustavo Capanema, Ministério da Educação, de 1934 a 1945 e foi um dos mentores da grande reforma da língua portuguesa, em 37, da língua e que recebeu o batismo de “Reforma Capanema”, mas era dele, só dele, tal reforma, por ele entender, melhor do que nunca, o valor e o significado das palavras. Carlos em toda sua vida valorizou sempre a comunicação estética, mesmo torturada pelo passado. Só um poeta pode enxergar o que isto significa.
Entrevistei-o para “O Correio da Manhã”. Disse-me ele: ”Rebelei-me contra os métodos formais de educação dos jesuítas do Colégio Anchieta em Petrópolis e fui expulso por “insubordinação mental”! Valeu-me o sentido de revolta. Deu-me a firmeza de pensar”!
Em “Resíduo” o mineirinho Carlos desaba: ”(...) E de tudo fica um pouco... Oh, abre os vidros de loção e abafa o insuportável mau cheiro da memória.” E o peso das palavras ganha a dimensão do universo. Desconhece-se, mas conhece o que o cerca - Isto o importante.
E vai ele ironizando os costumes e a sociedade, conduzindo seu áspero pensamento satírico e ao mesmo tempo o seu profundo amargor. A explosão deu-se, contudo, quando conhece em 1924, no Grande Hotel de Belo Horizonte, Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral, Mário de Andrade e Blaise Cendras. Correspondeu-se com o Mário de Andrade até poucos dias antes da morte de Mário. Suas cartas são verdadeiras preciosidades de uma época e o seu valor histórico insuperáveis. Poesia se soma à ânsia de produzir mais e mais.
Poucos sabem: Carlos, em 1925, casa-se com Dolores Dutra de Morais, mas foi um platônico apaixonado por Tarsila. A ela dedicou um dos poemas mais belos, e a sua publicação só se deu após a morte de Tarsila e publicado em 1977 no “Discurso de primavera e algumas sombras”. Este livro teve publicação mais que restrita. Guardo um raro exemplar com autógrafo e dedicatória do Carlos. Trata-se de memorável prêmio da sua obra poética.
Sei não!
Mas acredito que tive, como muitos, séria e profunda influência deste mineiro que escrevia como ninguém. - Apaixonado eterno, sensível como poucos, temperamento forte que destoava do referencial, mineiro dos “panos quentes”. Polido, mas franco. Sentia-se nele, até certo ponto, um profundo respeito ao espírito paulista. Descreveu a morte do rio Tietê com raríssima e oportuna felicidade, da mesma forma como amou o seu rio, o “Velho Chico”.
Gosto de escrever sobre este poeta. Conheço e admiro praticamente toda sua grande obra. Carlos passou a ser realmente conhecido a partir da publicação do seu poema “No Meio do Caminho”, em 1928, pela Revista de “Antropofagia de São Paulo”, que se torna um dos maiores escândalos da literatura do Brasil. Carlos era assim, imprevisível!
Poderia eu aqui enumerar sua vasta bibliografia. Mas, para conhecer Carlos Drummond de Andrade basta abrir um de seus livros e ele se desnuda de corpo inteiro oferecendo-nos um mundo diferente da realidade poética. Vejo as obras deste mineirinho de Itabira do Mato Dentro, nascido a 31 de Outubro de 1902 e falecido a 17 de Agosto de 1987, como um dos mais importantes vultos da literatura brasileira.
“No meio do Caminho havia um pedra – Havia uma pedra no meio do Caminho”, e vai ele retirando, a cada verso, uma pedra em sua longa caminhada e, assim, cresce toda a sua grande trajetória literária.
Diz-nos: “E de tudo fica um pouco, de teu áspero silêncio um pouco ficou, um pouco nos muros zangados, nas folhas, mudas, que sobem... ficou um pouco de tudo” este o grande legado que nos deixa um poeta distinto e inteiramente nosso.
Ame, também, Carlos Drummond de Andrade. Nas suas obras você se encontrará, por certo. Sei sim, isto aconteceu comigo. Só de escrever sobre o poeta, “um trem se põe nos meus olhos”! Seria lágrima?
É!
Sei que sei.
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sábado, 3 de julho de 2010
As Cruezas Expostas
©2007 Jorge Lemos
As Cruezas Expostas
Por Escritor Magnífico
Atingiu-me a pungente voz do homem que já foi criança sofrida, oprimida, entre as chicotadas pela fúria do pai violento e o agressivo meio externo em que vivia. Ele, o imortal Graciliano Ramos.
Seus livros “Infância”, “Vidas Secas” e “Angústia” traçam o roteiro do sofrimento do sertanejo Graciliano e seus duros passos, desde a violência e a pressão paterna, do poder sem limites e o mergulho fundo nas imponderáveis motivações do sofrer do corpo. Graciliano nos leva, também, ao rasgar o peito e ao comparar o tempo das difíceis realidades.
Havia eu brigado com Graciliano e, nestes dias que se passaram, fiz a paz com ele. É que nos afastamos por um longo período. Distanciei-me das suas obras. Para dizer com franqueza, isto ocorreu desde a minha adolescência, quando pratiquei a primeira leitura incompreendida dos seus livros.
Talvez sentisse eu que o enveredar pelo chão causticado pelo Sol não traduzia os questionamentos que se me punham. Considerava aqueles assuntos como simplesmente metafísicos.
Reli agora, em trote largo, seus trabalhos. Mesmo sofrendo com as vistas cansadas pelas cirurgias cruentas e a dor das lágrimas pela partida precoce do filho mais que amado, entendi, com total clareza, a profundidade dos sentimentos deste escritor pungente.
Amei o voltar a ler Graciliano. Abismos que se formaram como rasgos no chão sofrido onde ele viveu, entre o Alagoas e o Pernambuco. Releio o conto “Chico Brabo” e algo fica me martelando o quengo: “Se o Chico Brabo tivesse criados, vaqueiros, mulher, filhos, moleques na cozinha, dividiria, subdividiria sua zanga, distribuí-la-ia eqüitativamente, e as parcelas nem seriam percebidas”. Ali, entretanto, assim não ocorria e a fúria fora despejada, sem dó nem piedade, em cima de um só vivente, uma só criança, uma apenas, que buscava nos céus os vôos rasgos das andorinhas que transpunham continentes e, ele, preso à violência e à brutalidade dos dias idos.
Hoje compreendo Graciliano e a aridez do seu texto. Lágrimas não mais existem em meio à minha seca. Interpretando o que diz do Graciliano o meu inteligente filho viajor: “...é que as almas vieram uma noite, estirando-se e acocorando-se à entrada do corredor”. Pediam elas apenas espaço para dormitarem um pouco nos corações dos puros.
Eu não conseguia enxergar as claridades que envolviam o escritor e as dores da sua vida. Hoje, com a perda do meu filho, ganho - perda do tempo distante das narrativas do duro narrar do Graciliano Ramos. Vivo hoje recuperado pelo compreender as cruezas impostas pela vida.
Agora, nestas férias do meio do ano, quando ainda o frio exige ambientes mais mornos, ler é uma ótima opção, oferecendo ao espírito a substância comparativa dos tempos de antanho, onde prevaleciam, em doses elevadas, os castigos ao corpo de uma infância sofrida.
Graciliano Ramos, magistral narrador, é uma oportunidade rara para o nosso aprendizado.
Quando acima afirmo que eu havia brigado com o Graciliano, justifico: é que eu, ainda moço e sem conhecer a geografia política, social e humana, considerava exageradas as narrativas do mestre. Hoje vejo que pouco mudou no perfil do nordeste, onde impera a rica miséria do coronelismo brutal e a fomentação da violência em confronto com a necessidade de se formar um cenário verdadeiramente humano para população.
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